Eis que em algum momento, certa organização contrata um Coach para fazer um processo com um de seus profissionais. Normalmente, e lamentavelmente, as Empresas ainda enxergam o Coaching como uma atividade que busca “resolver um problema”, quando na realidade deveria ser encarado mais como um processo de desenvolvimento de competências e de modelos mentais e comportamentais, e que faça sentido dentro da lógica de funcionamento da organização, de seus objetivos, diretrizes e metas.
É a organização, como um elemento vivo e dinâmico, quem estabelece seu DNA, seu conjunto de valores, propósitos e objetivos. Seria interessante que as demandas de coaching ocorressem baseados em análises compartilhadas e sustentadas por mecanismos institucionais verdadeiramente eficazes. Contrariamente, essas demandas quando nascem à partir da perspectiva única do demandante, limitam e restringem muito a abrangência e as possibilidades do desenvolvimento do profissional. A estrutura de poder, aliado à escassez e miopia dada pela perspectiva única acaba por refletir no processo o conjunto de valores e a forma de gestão predominante naquela Empresa, prevalecendo ou surgindo de forma evidente durante o processo.
Demandas que nascem com a predefinição de resultado descrito pelo gestor trazem sem dúvida questões oriundas da fonte, não refletindo necessariamente em uma situação real. Explico e exemplifico:
Ao solicitar um processo de Coaching, o gestor Manoel (nome fictício, claro) traz uma queixa sobre a Sueli, que diz respeito a sua demora na tomada de decisão, por exemplo. Ele acredita que ela tenha todos os instrumentos e ferramentas que possibilitariam maior agilidade e tempo de resposta menores e mais assertivos. Esta é a visão dele, e que podemos entender como um sintoma, não uma causa.
Ao trabalhar com a Sueli, você vai descobrindo que na verdade esta percepção não encontra base na realidade, sendo apenas e tão somente uma percepção, legitima, claro. Descobre ainda os possíveis motivos que fazem com que esta percepção exista, e na intensidade apresentada. Percebe também que existem outros elementos que circundam Sueli, que fazem parte de seu cotidiano (na verdade do cotidiano de todos os seus pares e consequentemente da organização) que tem como origem o modelo de gestão e de liderança, portanto daquele que demandou o trabalho.
A projeção é da natureza humana. Entendo que dentro de um ambiente organizacional isso tenda a se potencializar e tornar neural, ramificar-se. Por este motivo também as empresas trocam seus funcionários com certa facilidade, até achar um que “dê certo”, que atenda as expectativas daquele que detém o poder. Nada de errado nisso, desde que esteja muito claro que esta, digamos, ditadura gerencial seja o credo e parte do conjunto de valores da empresa. É preciso ser coerente entre ação e discurso, caso contrário iremos sempre correr atrás do inalcançável.
Sueli nos trás informações extremamente valiosas, que se debatidas e compartilhadas no seio da organização, poderiam resultar em mudanças efetivas e ai sim promover a empresa a um novo patamar. Menos pelo seu conteúdo e mais pela dinâmica, creio eu. A construção deve ser continua e coletiva, pois somente desta forma criamos um ambiente sinérgico, inovador e colaborativo. Com a abordagem do exemplo aqui dado, limitamo-nos a uma troca de percepções, e de justificativas, que nada ou quase nada impactará naquilo que se pretende. O ambiente aonde Sueli está inserida simplesmente não permite que as mudanças pedidas ocorram, pois a origem do problema não está nela, Sueli, e sim impregnada por toda a estrutura.
Modelos de comunicação pobres costumam promover e intensificar as relações paralelas, que tangenciam as oficiais, e que acabam por criar os famosos “silos”. Informações importantes circulam pelos corredores, decisões informais são tomadas, alianças são feitas, e nada – ou quase nada disso é dividido de forma “oficial”. Passamos a viver mundos paralelos, e assim as perspectivas únicas ficam ainda mais distorcidas e distantes de uma realidade que exige uma visão mais sistêmica e abrangente.
Há uma abordagem no mercado (*) que me agrada muito que diz que as organizações são compostas de quatro níveis, em formato piramidal. São elas:
- Identidade, que compreende:
- Valores,
- Cultura;
- Missão;
- Visão
- Relações
- Clima;
- Sentimentos;
- Emoções;
- Comunicação;
- Liderança
- Processos
- Fluxo de:
- Material
- Dinheiro;
- Produção;
- Fluxo de:
- Recursos
- Equipamentos;
- Prédios;
- Dinheiro;
- Ferramentas….
Normalmente o que se percebe é que o foco dos gestores está nos processos, deixando de lado a visão sistêmica e abrangente do ecossistema.
Vale ressaltar que a abordagem deste texto tem como base uma experiência vivida. Evidente que não é uma regra absoluta, senão uma das possibilidades dentro deste universo.
Espero ter contribuído.
Obrigado pela leitura !
(*) Fonte: Adigo (www.adigo.com.br)