Conhecimento a conta-gotas

Há pouco tempo uma renomada instituição de ensino me abordou para que eu preparasse uma aula, que abordaria vários temas, dentre os quais a Teoria “U”. Confesso que considero essa teoria algo complexo para assimilar, compreender, ver sua aplicabilidade e principalmente como aplica-la. Vou ler o livro pela 2ª vez, fiz um curso online com o próprio Otto, e ainda patino bastante.

Para mim, uma honra e um desafio criar o conteúdo, a aula em si, grava-la e dar a aula, elementos que muito me motivam. Mas, ao entrar mais nos detalhes do que me foi pedido, quis saber qual o tempo de aula, para a transmissão daquele conjunto de conhecimentos, abordagens e temas (interessantes), entre outros detalhes relevantes. Resposta: 10 minutos.

Fiquei obviamente atônito, pois não conceberia essa possibilidade jamais. A mim veio uma sensação ruim sobre como estamos permitindo o sucateamento de nossas academias de estudo, tratando-a como um fast-food, daqueles que você mal tem tempo de sentir o sabor da comida, não consegue aprecia-la e em muitos casos nem sabe o que está ali dentro. Questionei meu interlocutor sobre esta lógica, algo do que me arrependo até agora, pois a resposta foi ainda mais entristecedora, pois sedimentou meu receio de estar correto em meu estado atônito: O que importa é o “giro”,  o volume de pessoas que assistem as aulas (gravadas) e que pagam por ela. O preço é baixo, o valor também é.

E com isso seguimos despejando profissionais com uma baita superficialidade, mas com inúmeros diplomas nas paredes. Empresas seguem demandando e necessitando de profissionais com competências estabelecidas não apenas pelo conhecimento teórico é claro, mas também pela experimentação, pela prática dos conceitos obtidos.

Os tempos são ágeis, e nossa sociedade cada vez mais líquida, confirmando a obra do sociólogo Zygmunt Baumann, que em vários livros aborda esse tema com a devida profundidade e propriedade.

Estamos, creio que para atender a demanda sob a égide da celeridade, pulando a parte da reflexão de temas relevantes, e empacotando pílulas de informação (não de conhecimento), com a pretensão de assim estarmos formando pessoas e profissionais protagonistas, com embasamento que dê sustentação as decisões que toma ou que vier a tomar. Entregamos os mesmos remédios para qualquer que seja a doença como se fossemos uma linha de produção. Posso estar enganado, como sempre, mas confesso que isso tudo ainda me incomoda. É claro que precisamos modificar a estrutura de ensino, mas isso não significa liquidá-la. É claro que precisamos de mais agilidade e de aplicabilidade dos conceitos aprendidos, mas isso não significa pasteurizarmos todo conhecimento, e extrair a necessidade e a possibilidade de reflexão do indivíduo, esse que vem se perdendo de si mesmo ao longo do tempo, que já não sabe mais para qual lado ir quando a pílula não resolve mais.

Eu acredito que entregar informações empacotadas pode ser válido, desde que o objetivo seja o de capacitar a pessoa na aplicação in loco, que permita que essa informação seja um ingrediente a se somar ao arcabouço de conhecimento dele, e que principalmente gere alguma mudança. A prática é quem vai demonstrar a validade do que foi passado, e mais ainda vai revelar as dificuldades, empecilhos e barreiras existentes no entorno do contexto de cada um. Esses elementos não são abordados em uma aula de 10 minutos, sinceramente. Uma mentoria contínua pode de certa forma amparar a pessoa / profissional a dar cabo de seus desafios e a ajuda-lo em seu autoconhecimento, passo primeiro para qualquer evolução profissional, tão exigida no mercado.

Em tempo: Declinei da proposta da escola.

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Agradeço sua leitura e comentários, valeu !

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